segunda-feira

Sobre cafés, brigadeiros e vitrolas

Havia café, brigadeiro e vitrola e, embora não fosse muito, tudo tinha sido cuidadosamente pensado para recebê-la (era um conquistador nato). Para a mente fantasiosa das mulheres, isso é que o que se podia chamar de um encontro especial! Já na linguagem masculina, a isso se poderia chamar de "preparar o bote", Fato é que, nisso habitava uma atitude dele quase antiquada de ser romântico, ainda que mal conhecesse a moça que desejava conquistar. A isso podemos chamar de “romântico à moda antiga”.

Ela se esqueceu de que ia para uma conquista. Não se arrumou, nem aprumou os cabelos, nem passou hidratante no corpo. Tampouco passou um batom, lembrou-se apenas do rímel, coisa que já era rotina no seu toalete, pois sempre lhe disseram que tinhas olhos lindos e ela por qualquer razão teria acreditado e procurava desde então, realçá-los. É que embora desejasse muito intimamente que ele a achasse atraente, havia tempos que abandonara os truques de sedução e nem percebera o lapso de comportamento. Há tempos esquecera-se de si mesma, assim, como se esquece uma carta de amor antiga no fundo do armário empoeirado.

Uma carta de amor guardada com zelo por anos a fio (dessas que não se escrevem mais no nosso século), quando reencontrada, é capaz de trazer à tona a memória e a essência daquilo que um dia fomos e que ao lê-la, gostaríamos de nunca tê-lo deixado de ser. A isso se pode chamar melancolia.

Conversaram pouco. Mas ela gostara de detectar naquele ambiente coisas em comum entre eles. Além disso, ele tinha senso de humor e a fazia rir. Mulheres gostam de homens que as façam rir. E, imaginando a recíproca ser verdadeira preocupou-se em querer agradar, ser simpática e parecer extrovertida. Mas a vida não lhe parecia tão doce, nos últimos tempos, quanto aquele brigadeiro delicioso que ele havia preparado e ela tinha que fazer um esforço danado para não deixar transparecer sua falta de brilho próprio. Tentava lembrar das “lições” de como se comportar no primeiro encontro, lidas nas páginas fúteis de revistas femininas. Esqueceu-se de todas elas. Eram inúteis mesmo. Não havia bula para aquele encontro. Dane-se as regras de "boa menina", que isso era o que ela não queria ser naquela noite, pensou.

Em verdade, não era sexo o que ela tinha ido procurar lá, naquela noite. Queria uma boa companhia, uma xícara de café e poder trocar algumas palavras interessantes com alguém que a escutasse, agora que começava a se libertar de amarras que ela própria havia se atado no passado recente. É claro que sentir um olhar de desejo de alguém por ela era algo que ela desejava muito. E naquela noite, além do café, havia brigadeiro e vitrola tocando música suave e agradável. Então por um momento (e não exatamente pelo café, brigadeiro e vitrola, senão, pareceria conquista barata) ela soube que, após longo período de invisibilidade, seria bom se entregar aquele homem cuidadoso e romântico e não a outro.


Ele a beijou suave. Ela gostou. Eles se beijaram mais forte. Ela se deixou ir com ele e sentiu uma onda de energia correndo em sua espinha. E naquele momento olhou pra ele e, finalmente, tomou coragem para olhar para si mesma e sentiu imensa felicidade interna. Era como se ela estivesse agora frente a frente com aquela a quem conhecera tempos atrás e de quem sentia saudade de si mesma. Permitiu-se abrir sua carta antiga, onde havia esquecido a si mesma um dia. Mas ficou silenciosa, como se guardasse em segredo aquela felicidade para que ela não lhe escapasse. Tinha medo que evaporasse no ar.


A essa felicidade de poder experimentar-se sem fim, a ela podemos chamar de liberdade.

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