sábado

Bipolar é a vida!


Tarde de sábado. Estou tentando ler uns artigos e notícias, futricar as redes sociais e ouvir alguma música para me concentrar, mas meu quarto é "invadido" por três personagens femininas - uma criança, uma pré-adolescente e uma adulta, as mulheres da minha vida - que se abancam em minha cama, ligam a TV e põe-se a tagarelar. A adulta, minha mãe, procura um refúgio na casa e descobriu como eu, que é o meu quarto o "guarda-roupa mágico" onde podemos nos enfiar e tentar esquecer do mundo lá fora. O resto da casa está doente, senil e exala mal cheiro, embora nosso esforço monumental em manter a casa e as mentes higienizadas. As meninas menores, minha filha e minha sobrinha, só querem estar na equipe do "guarda-roupa mágico", sem ter ainda a total dimensão do dilema familiar em que nos encontramos, elas brincam e falam meninices. As três se refugiam no meu único refúgio e enfim, perco a privacidade onde já era pouca. Mas isso tem sido rotineiro. Então, respiro fundo, não reclamo e não esboço nenhuma expressão de desafeto, apenas encaro com resiliência uma situação familiar que não está sendo fácil para ninguém, principalmente para a mais velha de nós, a quem olho compadecida de seus esforços supra-humanos. Estamos todos em estado de sítio nas nossas vidas conturbadas, invadidas de uma hora para outra por um estranho, que embora familiar, não o reconhecemos: um avô esclerosado, tendo sido anos antes um pai de família ditador, muitas vezes violento e machista. Talvez a situação fosse um pouco mais amena se ele tivesse cativado algum amor ou respeito entre os seus 11 filhos, mas os tempos eram outros e cresci ouvindo histórias de vida de pouco amor e muita violência. E, também eu, em determinado momento da vida, sofri de alguma forma as consequências da falta de amor que meu avô teve por seus filhos, quando minha mãe tornou-se uma adulta frágil e insegura em consequência de uma infância e uma juventude de opressão. A vida, a nova família após o casamento e a terapia a ajudaram a se fortalecer um pouco.
Os dias tem sido tensos, uma prova de fogo no último mês, em que iniciamos uma fase de muito cansaço físico e emocional, aprendizado e superação e, da parte da minha mãe, ainda que não tenha sido por livre escolha, não deixa de ser um ato altruísta este de cuidar do pai em tais condições de precária sanidade, a esta altura da vida. E enfim, entendemos e aprendemos que todos envelheceremos e que precisaremos de alguém que nos cuide, mas que seja por amor e não por obrigação. Por isso, façamos nossa parte. Ele não fez.
Tenho tentado manter o equilíbrio emocional, surtar o mínimo possível, manter o bom humor, a esperança de dias melhores, a pele bem tratada... Quando este ano começou eu logo recebi os primeiros sinais de provação e estranhamentos desde o início. Fatos que tentei ir ignorando, mas quando parei para fazer as contas, vi-me submersa num mar de má sorte inexplicável. Primeiro foi um relacionamento cheio de planos e sonhos lindos em que de repente, a gente desconhece a si mesma e ao outro e de uma hora para outra tudo termina da forma mais ignóbil que se possa imaginar. E nos perguntamos "cadê todo aquele amor que estava aqui?". Tentei superar uma dor que sangrava e estanquei o sangue para nunca mais. Não parei de trabalhar, não desisti do amor, não praguejei, não fiz escândalos e não infernizei a vida de ninguém e, embora sofresse, tentei ocupar a mente com outras coisas. Não me enfiei numa cama e me esforcei em tentar ser melhor para mim mesma. Melhor ao menos, do que ele foi para mim.
Depois a vida seguiu de pequenos episódios que mais pareciam eventos de contos macabros (mas esta parte é só para dar um pouco de ação a este roteiro. rsrsr): uma aluna em surto "canibalesco" quase comeu parte do meu braço com uma dentada; uma mendiga me espancou à paulada no meio da rua; meu carro foi batido duas vezes; dois assaltantes me agrediram tentando roubar minha bicicleta durante um passeio em que eu seguia feliz... e finalmente, um avô esclerosado que muda a rotina, o cheiro e o humor de uma casa de uma hora para outra... parecem cenas de "trash-movie", não é? Chega a ser tragicômico! Olha, não sei o que eu comi ou qual simpatia deixei de fazer na noite de ano novo, mas que esse ano a bruxa está solta, está, viu?
Ainda assim, verdade seja dita, muitas coisas boas aconteceram também, projetos e trabalhos criativos importantes e algumas pessoas mágicas também entraram na minha vida. Algumas mudando tudo de lugar e até o coração, mas este de tão sofrido já nem sabe mais seduzir e fica sempre reticente.
Segui e sigo tentando equilibrar as coisas, as emoções. Tarefa difícil para uma mulher que até bem pouco era uma menina cheia de sonhos e trejeitos quase infantis. Problemas... quem não os tem? Por isso, não julgo ninguém, mas não admito que me critiquem ignorando o exercício que é superar um cotidiano desastroso e antes que me acusem de "bipolaridade", rechaço: bipolar é a vida. Paciência! Que culpa tenho eu de num dia tudo ir mal e no outro eu encontrar situações ou pessoas que façam me animar, levantar a cabeça e seguir em frente? E há quem diga que não sou otimista. Acho que Schopenhauer me tomaria como estudo de caso. (rsrs)
Acredito que tenho sido muito mais resiliente do que resignada diante das dificuldades... pois não creio que tenho aceitado todas as provas de forma tão passiva, mas tenho me adaptado a certas situações, ao menos tentando fazer o melhor, embora às vezes falhe. Não sou de ferro! Mas tem dias que, francamente, o peso me parece bem maior do que podemos suportar... Aí, dói coluna, músculos, cabeça... tamanho o peso dessas responsabilidades. Já viram o meu tamanho???  (rsrsrs). Eu não tenho vergonha de dizer: 1,49! Sustento uma casa, uma filha, uma mãe, comprei um carro popular com o esforço do meu trabalho, não tenho grandes dívidas, mas vivo sim, como milhões de brasileiros com muita dificuldade financeira e muitas preocupações. Fora tudo isso, e apesar do cansaço, gosto de estar arrumada e perfumada, não ando decadente por aí e procuro ser divertida e me divertir sempre que possível (a vida tem que ter suas recompensas). E que não venham chamar de "meia mulher", ironizando a minha estatura, porque a vida me faz lembrar todos os dias de que sou muito e do quanto sou grande na vida das pessoas que dependem financeira ou afetivamente de mim! Posso garantir que não falta mulher em mim!
Nada nunca me veio fácil e nunca me esquivei em trabalhar para sair do estado de paralisia, mesmo quando achei que ia desabar. Num dos momentos mais difíceis da vida em que me vi sem dinheiro, sem casa, sem plano de saúde, sem trabalho e, principalmente, sem autoestima, aceitei um "subemprego", embora estivesse quase me formando. Fui trabalhar em um bar na madrugada. Chegava ainda à tarde, arrumava as mesas, fazia compras, limpava tudo e no final da noite ajudava até a lavar os pratos. Chegava em casa de madrugada, por volta das 4h e acordava às 6h para levar a filha na escola. Voltava e dormia mais um pouco até a hora de ir buscá-la. Eu procurava levar as dificuldades na esportiva: levava a filha, que era um pouco mais que um bebê, de ônibus para a escola e, para economizar o dinheiro para o dia seguinte, botava um tênis e fazia o caminho de volta à pé para casa. Assim, também praticava algum exercício físico, já que não tinha dinheiro para academia. Não morri por isso, aprendi um pouco mais da vida e posso afirmar que lavava um prato muito bem lavado. Foi um período difícil, principalmente pelo emocional muito abalado. Mas sobrevivi a ele.
É bem verdade, que tenho uma pequena rede de pessoas que, longe ou perto tentam me "cuidar". Outras o fazem sem sabê-lo ou sem saber desse contexto exato de que falo. Eu deixo. Não me faço de rogada, nem de santa. Aliás, santa é um adjetivo que nunca me coube. Sei a dor e a delícia de ser o que sou. Arco com as consequências das minhas escolhas. Estou onde, por bem ou por mal, consciente ou inconsciente, escolhi estar. Procuro não me vitimar, mas às vezes me permito viver a fundo minhas dores. Talvez seja um pouco dramática, faz parte do meu "mis-en-scene". Mas vítima, não! Mas enfim, cada um se constrói e as suas idiossincrasias de acordo com suas experiências de vida. Minha vida tem muitas lembranças boas (cresci dentro de uma família cheia de defeitos, mas amor e dedicação nunca nos faltou), tive ao longo da vida e preservo até hoje amigos incondicionais, desses que pegam um avião e atravessam o país ou um continente só para nos cuidar em um momento difícil por temer que o pior aconteça, um suicídio ou a decadência total, por exemplo). Sou grata, sou grata, sou grata! Ah... e sou grata!
Mas também tenho lembranças de momentos muito ruins, de violências as quais somos acometidos - às vezes por ingenuidade, outras por inexplicável e infeliz paixão, outras por mera fatalidade da vida. E, infelizmente, às vezes, os momentos mais dolorosos nos marcam mais do que os felizes.
Sempre cuidei muito dos outros, quem é meu amigo há mais tempo, sabe bem que mesmo envolta com meus dilemas pessoais e até para negligenciá-los um pouco, eu me dedicava a cuidar mais dos amigos do que mim mesma. E isso é minha natureza e não acredito que eu vá mudar muito. Mas nesse momento, confesso, acho que ando um pouco cansada, com preguiça desse compromisso e displicente desses cuidados com o outro. Me perdoem: a distância e a falta de atenção. Talvez tenha chegado a hora de me deixar ser cuidada um pouco, mas talvez eu ainda não tenha aprendido de verdade a deixar que isso aconteça. É a síndrome da auto-suficiência, que às vezes pode parecer mero mimo para alguns. Desculpem, mas não tenho o total domínio de todas as instâncias dos meus sentimentos. Às vezes me calo, noutras falo pelos cotovelos, noutras me atropelo com as palavras. É que estou aprendendo a andar e a falar por conta própria. Por isso escrevo tanto... Hoje estou me sentindo uma Clarice Lispector em seu "Água-viva".
Vou receber muitas críticas... e vão me dizer que eu não deveria me expor assim nesse diário virtual público. Conheço os meus amigos. E eles também me conhecem, sabem como sou impulsiva e, mesmo que não gostem, no fundo vão me entender e me perdoar porque são meus amigos. Isto é só um desabafo no lugar do grito. Não conto de fato, nada além de reflexões e estado de espírito momentâneo. Eu poderia ter gritado, mas pareceria uma esquizofrênica incomodando os vizinhos. Eu poderia ter ligado para alguém, mas fiquei distante, tão longe que me sinto desajeitada... ou rejeitada talvez. Eu poderia ter ido à praia e teria sido tudo tão diferente neste dia, embora não resolvesse os problemas, mas "desanuviasse"  a mente cansada. Mas deu tudo errado e não tinha que ser. De todo modo, já não escrevo para pedir socorro, mas apenas para dar conta a mim mesma disso que sou... E sou tantas que às vezes me perco entre elas.
Hoje é um desses dias de querer gritar e fugir do planeta terra. Voltar para o últero materno... Mas acredito que sou só uma célula no macrocosmos e que meus problemas o são de boa parte da humanidade também. E são mínimos ao mesmo tempo. E segue o mundo, cada um no seu quadrado.
Sigo eu, segue tu, segue o mundo. Para o alto e avante! Quem sabe eu cresça e apareça algum dia, como me recomendou (sem o menor cavalheirismo) um certo rapaz!

Nenhum comentário: