segunda-feira

Irreversível - começa onde termina.

(desconheço a autoria da ilustração)

Abraçaram-se rapidamente, sem delongas. Despediram-se apressadamente, como se ele fosse voltar logo mais à noite para o jantar. Estava atrasado para pegar o voo, que não houve tempo de promessas românticas, nem de refletir o futuro que, possivelmente, não existiria. Sem dramas, porque não havia tempo. Mas aquela altura, ela já o conhecia muito bem, o suficiente de sua nobreza, de seu caráter e de seus sonhos, para entender e prever um pouco da irreversibilidade do destino: fora fisgada e agora, era dele o coração dela. Sentiu medo. Há algum tempo andava fugindo das armadilhas do amor. Disfarçou.
Então, sentou o pé no acelerador para viver aquelas horas que lhe foram dadas como um prêmio de loteria com validade. Escolheu viver aquelas poucas-muitas horas eternas. Arriscou mais uma vez atirar-se à felicidade dos amores incertos. Por via das dúvidas, equipou-se com seu paraquedas.
Durante toda a manhã haviam caminhado pela orla com uma intimidade que, embora conquistada às pressas, revelava uma vida inteira de benquerenças guardadas, pois que há tempos ambos esperavam dar e receber com verdade no coração. E ali, naquelas poucas-muitas horas, procuraram entregar-se um ao outro em verdade. Tomaram sorvete como dois namorados apaixonados que se tornaram naquela manhã e caminharam abraçados. Riram e conversaram com desembaraço. Ele contou ofegante sobre os acontecimentos mais marcantes de sua vida. Ela já sabia de tudo por pura simbiose de almas e o sentia sinesteticamente. E assim, ouviu-o com o seu corpo inteiro e com o coração, e,ponderou com afeto. Queria que ele sentisse que agora estava protegido para o resto da vida na vida dela, ainda que o resto da vida tivesse bilhete de partida comprado, com hora marcada para embarque. Sentaram-se ao ar livre e aconchegaram-se um no colo do outro. Ele se deitou no colo dela como se já o reconhecesse de antes e tatearam os rostos um do outro.
Ela lhe preparou o café. Estava meio desastrada, como de praxe quando dormia pouco. Minutos antes, acordou-o com um beijo e lhe falou baixinho ao ouvido - "já são nove horas". Ele a abraçou com felicidade. Talvez a felicidade fosse mais dela do que dele, mas era confortável pensar que ele estava feliz por tê-la tão perto depois de tanto tempo distantes.
Dormiram pouco. Fizeram amor com intensidade, envolvimento, consentimento e desejo e conversaram por uma eternidade na penumbra do quarto, à luz da vela acesa. Que estranha aquela intimidade antiga, embora recente, ela pensou. Abraçaram-se e beijaram-se longamente. E por um lapso, ela quase desejou morar no beijo suave dele e naquele abraço para sempre. Mas logo recuperou a lucidez, vigiou os pensamentos e voltou para o presente. Para sempre era tempo demais para caber naquela noite! Estava feliz com o que já haviam conquistado.
A verdade é que ela desejou um milhão de coisas secretas naquela noite, inclusive que não terminassem eles junto com a noite. Havia preparado o quarto com carinho para que lhe parecesse acolhedor. Perfumou-se, vestiu-se de coragem, enfeitou-se com um pouco de sonho guardado e maquiou-se com pó de brilho nos olhos, que já fazia tempo não usava... E saiu para encontrá-lo em sua chegada. Dele quase nada sabia e no entanto, já o sabia em essência. Confiou na intuição.
Ele remarcou a passagem e dessa vez não se atrasou. Chegou de avião, pois que suspeitou que ela não acreditava em homens montados em cavalos brancos. Combinaram que se reconheceriam pela cor dos paraquedas um do outro, já que ele, como ela, também por medo de quedas muito altas, também não se descuidava do uso do acessório de segurança, em caso de vôos altos. Desembarcou. E quando ele a viu pelo vidro da sala de desembarque, jogou um beijo de reconhecimento e sorriu. Caminhou até ela e se entregaram num longo abraço de saudade, como se em sua chegada, já estivessem também se despedindo, ela sabia. Abraço longo e caloroso... Saudade de muito! Sabiam antes de tudo que aquela história não começava com amor, mas com uma saudade antecipada. Era uma linda história de saudade! Pois que conheceram a saudade antes mesmo do amor.
Ela o havia esperado, disfarçando a ansiedade. Pessoa de hábitos incomuns, ela criava borboletas no estômago e naquela semana o seu borboletário tinha se proliferado, de modo que as borboletas no estômago tinham todas saído do casulo e estavam nervosas e alvoraçadas. Ele perdeu o voo e voltou pra casa chateado. Ela continuou como sempre estivera, havia bastante tempo: só com seus sonhos e delicadezas da alma. Tirou os sapatos, trocou a roupa, limpou a maquiagem do rosto, guardou sua poesia, os paraquedas do medo; deitou-se e dormiu um sonho que era só dela. Voltou a ser o que era sempre: encantada.

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