quarta-feira

Amo devagar

Sempre fiz o tipo "rebelde" e aprendi as coisas da vida pelo caminho contrário e mais doloroso, meio às avessas, para só depois aprender o certo. Não aprendi amar, por exemplo, sem me arriscar, sem me molhar, sem me atirar em quedas livres ou sem perder o ar. Não que amar desse jeito fosse totalmente errado, mas amar para mim sempre foi um mergulho profundo e talvez por isso, eu tenha me afogado em mágoas tantas vezes e quase morri afogada para sentir tudo até a última gota.
Mas com o tempo, de tanto praticar esportes radicais, aprendi a usar equipamentos de segurança, escafandros, paraquedas e capacetes. Afinal, nunca se sabe aonde vai dar a aventura. Melhor previnir!
E assim, fui aprendendo de trás para frente, que amor, amor mesmo, é quele que começa de mansinho, naquele treino diário, tal qual quando começamos uma atividade física depois de tantos anos de sedentarismo, primeiro aquecendo os músculos, e só depois, aumentando a carga. Com o tempo, nossa performance vai melhorando e vamos nos sentindo mais dispostos e mais preparados para treinos mais intensos. Pois que aprendi que amor bom é esse em que nos permitimos começar aos poucos, com o aquecimento do músculo, nesse caso o coração, e assim vamos descobrindo o outro aos poucos, sem a pressa das paixões avassaladoras, que rápido se desgastam, embora tenham seus sabores.
Aprendi a desconfiar de amores instantâneos, desses que chegam ditando as regras, fazendo promessas, erguendo castelos em dois tempos. Desconfio dessa carência e urgência do outro, pois que também eu já fui assim e não era amor, era carência, urgência de suprir a solidão. Mas a um certo passo da vida, refleti sobre a durabilidade e eternidade de algumas relações de amor que preservo até hoje no campo das amizades, afinal, não há amor mais cúmplice e verdadeiro do que o amor de um amigo que nos acompanha há 15, 20, 30 anos... É que amor em qualquer de suas formas, seja no âmbito sexual ou da mera amizade, é sempre construção e, uma casa forte e segura precisa de tempo pra ficar pronta.  E foi refletindo sobre essa construção, que se ergue para além da atração sexual e, às vezes até nascida a partir dessa atração, a amizade, que pude entender que amor não é explosão, mas construção, de confiança sobretudo. Hoje, tenho a certeza de que todas as minhas grandes amizades construídas e fortalecidas até aqui, só o são porque tivemos tempo para nos conhecer, aprender as manias, os gostos, os defeitos um do outro e assim, também aprender a respeitar o espaço e o tempo de cada um e a perdoar seus erros. E perdão é um capítulo delicado do amor, só possível quando conhecemos tão bem a natureza do outro que errou conosco, por um descuido, nunca por leviandade ou crueldade. Então entendi que o amor entre duas pessoas, que extrapola as cercanias da simples amizade, esse amor que envolve enlace, cama, mesa, sonhos, planos de vida a dois e cotidiano, também não deveria ser em nada diferente do amor de uma grande amizade, nem em grandeza, nem em "boniteza", nem em respeito e altruísmo. Pois que muitas vezes, conseguimos ser mais benevolentes e solidários com um amigo, do que com um companheiro ou companheira que vive conosco.
Então, eu desacelerei. E comecei por aprender a caminhar sozinha e a gostar mais de mim, da minha própria companhia, a fazer planos que só diziam respeito aos meus sonhos, como ter o meu próprio lar. Comecei a arrumar a minha casa como quem arruma o coração (ou seria o contrário?)... Vai que de repente, chega uma visita inesperada?!
Fato é que desisti dos esportes radicais. Hoje tenho preferido os menos perigosos, que em outras palavras quer dizer apenas que vivo um dia de cada vez. Ainda assim, mantenho o kit de segurança sempre na mala durante as viagens. Sim, porque ainda gosto de viajar e de aventuras que mexem com a adrenalina! Mas a vida deu voltas e me ensinou a não ter pressa, que amar deve ser leve, o que não significa, menos verdadeiro. E foi assim que, aos poucos, eu já não queria amores que me tirassem o ar, porque o amor de verdade é cheio de ar, de vida. Hoje, no campo dos afetos, meus esportes preferidos são andar de bicicleta, passear de nuvem, jogar risada fora, caminhar de mãos dadas na praia...
Por via das dúvidas, mesmo em dias de sol, ando com o meu guarda-chuva! Vai que chove...
 
Michelle Cunha. (2011)

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