segunda-feira

Sobre amor, café, cigarros e manhãs

A lembrança mais bonita que tenho dele não é de nada que ele tenha feito para mim ou por mim. É a lembrança de uma cena, aparentemente boba e banal, de um momento em que ele era simplesmente ele, resumido em dois ou três gestos ao acordar, mas que guardei fotograficamente na memória.
Acordar com ele tinha som de água caindo, metal riscando o alumínio e cheiro misturado de amor, café e cigarro. Acordava, levantava de mansinho para não me despertar da minha preguiça matinal, fazia um café bem forte e acendia um cigarro. Eu ficava na cama e abria os olhos preguiçosamente, acordando aos poucos com os sons e cheiros que vinham da cozinha. Da cama eu podia vê-lo pela bancada da cozinha americana, fumando o seu cigarro em frente ao fogão, com ar pensante e concentrado, num instante que era tão e somente dele que eu não ousava interferir. Às vezes, eu ficava minutos observando e admirando ele naquela rotina. E eu não sei explicar direito, só sei que eu gostava do que ele era simplesmente naquela hora. E o achava tão bonito com os botões dele, envolvido naquela luz da manhã que entrava pelo balancim da cozinha e se misturava na fumaça do cigarro e no vapor do café, criando desenhos arabescos em torno dele. Às vezes, ele me olhava de lá, sorria e dizia baixinho "dorme mais um pouco" e dava uma piscadinha. Eu sorria e fazia charminho.
Essa é a lembrança mais marcante que tenho de acordar com ele. E quando eu o olhava naquela cena, eu sentia que podia gostar dele pra sempre só por causa daquela fotografia: ele, o cigarro, a fumaça, o vapor do café e a luz do dia... Que todas as noites eram de amor naqueles dias felizes e saber do que éramos um na vida do outro já eram suficientes para justificar minha benquerença. Mas era naquela hora em que eu podia contemplá-lo pela manhã, tão envolvido consigo mesmo, seus hábitos e seus próprios pensamentos que eu sentia a intimidade e a eternidade instalada entre nós. Sempre digo que entre dormir com alguém e acordar junto de alguém existem graus diferentes de intimidade. E eu gostava da sensação de acordar com a casa, com os lençóis e com o meu coração repletos dele e dos cheiros dele.
Quando acabava o cigarro e o ritual do café, ele parecia voltar cheio de ideias e se deitava um pouco mais do meu lado na cama, com um ar de quem queria conversar, sempre com alguma ideia, pensamento ou proposta para o nosso dia ou para o nosso futuro. Eu ria e desviava o olhar. Ele dizia que eu tinha pouca fé. Naquela época, eu tinha mesmo.
Um dia ele encontrou uma roupa minha embolada no meio das roupas dele e me contou o que sentiu: disse que tinha gostado daquela sensação e que se sentiu feliz por eu estar na vida dele. Era simbólico ter minhas coisas misturadas as dele. Foi uma das coisas mais bonitas que alguém já me disse. Fiquei imaginando a cena... Acho que foi o mesmo que senti quando um dia me dei conta das nossas escovas de dente juntas no mesmo copo no banheiro. Não, não significava que estávamos casados ou que íamos casar. Era maior que isso e só nós sabíamos daquela aliança.  Meu coração se encheu de alegria. Olhei no espelho e sorri para moça que estava lá. Ela sorriu para mim. Depois disso, amei algumas vezes, mas nenhum outro amor teve essa eternidade capturada e revelada naqueles fragmentos de horas daquelas manhãs.

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