quinta-feira

Sem reembolso

Comprou uma passagem para um lugar que nunca existiu. Era dessas que inventava lugares, pessoas, amores e até desamores. Adorava inventar histórias que escrevia em seu livro de afetos e alguns desafetos.
Nunca teve muita intimidade com o amor. Na verdade, nunca soube amar e se deixar ser amada, mas se tinha algo que sabia fazer era escrever. Não era no amor que ela costumava se aventurar, mas na escrita.
Pensou em desistir, mas o bilhete na mão era intransferível e sem reembolso. Esse capítulo já estava finalizado, quitado e o bilhete... impresso, ou melhor, eram as páginas daquela história que já estavam impressas.
Sem reembolso... Ela pensou por um instante nessa condição: tudo que gastara que, todavia, não tinha valor monetário; tantos dias e noites, tantas palavras, tantas horas de fantasias, ansiedades e planos... todo aquele investimento não teria reembolso caso algo desse errado no meio do caminho!
Pensou na conta e refletiu pesarosa: porque não escreveu o final antes do começo? Porque não evitou que sua personagem comprasse aquele bilhete? Sempre fora melhor escritora do que amante! E agora ela com aquele bilhete na mão para um destino incerto, que sequer existia no mapa, era a sua própria personagem perdida no meio da estação, tendo como bagagem um coração na mão. Gostava de finais dramáticos e talvez aquele fosse um bom final para a sua história. O trem passou e ela não embarcou nunca. Ao invés disso, pôs-se a escrever como sempre fizera. Nunca chegou ao destino e a história, assim ficou: sem reembolso.

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