sexta-feira

Sobre um amor que envelheceu

Estava chateada e não ouviu quando, no meio da discussão, ele disse que a amava. Mais tarde pediu: "repete aquilo que você disse hoje?". Ele já não lembrava o que havia dito de importante na hora da briga. Ultimamente, andavam se dizendo um mundo de coisas que poderiam muito bem ser descartadas em uma lata de lixo pela inutilidade e desperdício das palavras. Palavras são como moedas de valor que merecem ser gastas somente com o que vale a pena. Para o contrário disso, existe o silêncio e sua sábia economia. Mas o cansaço dos anos fez com que se descuidassem das delicadezas que um dia existiram entre eles.
Aquele monte de palavras sem afeto não poderiam nunca fazer bem ao coração. E corações safenados, como se sabe, podem até sobreviver, mas precisam de cuidados redobrados. E isso, por desleixo, descuido e impaciência, aqueles dois já não tinham mais havia anos. Estavam juntos há 25 anos. Sentiam que se amavam, mas o orgulho de cada um os fizera solitários dentro de seu próprio mundo.
Ela repetiu, como se estivesse em perigo. Como se pedisse por socorro: "diz de novo, por favor".  Mas agora, era ele que estava chateado e aquilo o irritou. Ela deu dois passos de costas para ele, como se desistisse de tudo aquilo. De repente, virou-se e disse em voz baixa e triste, "eu te amo tanto". Assim como ela, ele também não a ouviu. Ultimamente, eles não se ouviam mais, como também não se enxergavam. Ela respirou um quase suspiro derradeiro, fundo. Ele ficou reclamando às suas costas. Seguiram assim, esquecidos um do outro e de si mesmos, surdos, cegos e safenados.

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